Ontem tivemos a luxuosa possibilidade de participar da palestra de Pierre Lévy em Salvador, através do programa
Fornteiras do Pensamento.
*, **
Por incrível que pareça, a vinda dele foi possibilitada porque
outro palestrante não pôde vir.
Mas foi ótimo. Foi um apanhado fantástico de muitas das coisas que ele já apresenta em seus livros. Ele se deteve um pouco no aspecto de que a nossa sociedade e formada por camadas sobrepostas, ou extratos, da oralidade, da escrita, do alfabeto, chegando até a comunicação em rede. Esta, por sua vez, tem toda uma evolução histórica que a configura da forma como é na atualidade. Ele apresentou isso também na forma de camadas, que mais ou menos se sobrepoem (uma não elimina a outra, mas a transforma).
Ele fez um apanhado desta tendência da web 2.0, com seus espaços comunicacionais, reforçando ainda mais a sua teoria da inteligência coletiva. E, neste aspecto, chegou ao ponto que mais se deteve em sua palestra: a web semântica.
Vejamos, se eu me localizar em uma época onde as informações chegam até as outras pessoas através de livros, o caminho para achar a informação é ir até onde se concentram os livros, como por exemplo uma biblioteca, que usa um sistema numérico para classificar e organizar seus materiais. Porém hoje, com a web 2.0, como cada um é potencialmente autor de conteúdo, eu tenho uma infinidade de fontes de informação. Esta informação, por sua vez, é produzida dentro do repertório de cada um, e não de acordo com um jargão padronizado acadêmico. Hoje temos uma infinidade de informações sendo produzidas e divulgadas em todas as línguas (e não apenas em algumas dominantes), com vocabulários tão peculiares quanto a produção desta informação.
Então a web caminha para um grande emaranhado de informações disconexas? Estamos caminhando para que isto não aconteça, por isso o esforço deste pesquisador e seus colaboradores: desenvolver uma web semântica que reconheça e interligue aspectos similares e próximos de um certo tempo, ao mesmo tempo que afaste os aspectos que não dizem respeito ao mesmo tema.
A complexidade desta intenta pode ser parcialmente visualizada através do social bookmarking. Pra quem não conhece, bookmarkink é esse sistema de marcadores (tags) que cada um usa para classificar suas coisas (fotos, vídeos, posts do seu blog...). O social bookmarking é quando eu construo este sistema de marcadores com outras pessoas, partindo do que já foi construído e colabaroando com um conjunto que é disponibilizado para os outros. Eu posso convidar amigos ou construir isto em um espaço "público". Temos exemplos disso como o Delicious, o Digg, Rec6, ou mesmo o Technorati.
Isso funciona mais ou menos assim: eu classifico o meu material de acordo com algumas palavras-chave. Outra pessoa faz o mesmo. E outras também. O sistema então vai agregando tudo o que é marcado com uma determinada palavra. Isso é muito legal, porque cria um sistema de indexação voltado para o que e como é produzido, pois eu passo a ter assuntos novos (fenômenos que não existiam a algum tempo atrás e, portanto, não fazem parte dos sistemas de indexação tradicionais). Esse sistema de indexação onde o próprio produtor escolhe como seu material deve ser marcado, privilegia as linguagens próprias de sua produção, pois não faz sentido se eu produzo alguma coisa sobre a cultura baiana mas tenho que indexar esta produção com palavras padronizadas de um sistema americano...
Por outro lado, isso cria uma verdadeira balbúrdia linguística:
- existem diferentes palavras para falar da mesma coisa: como uma máquina vai saber que estamos falando da mesma coisa?
- se eu classificar meu material com a palavra no singular e vc no plural, caímos na mesma pergunta anterior...
- neologismos, siglas...
- tem também o fato de que uma mesma palavra tem vários significados: como uma máquina vai saber se eu falo da broca da furadeira ou da broca (aquele verme) que comeu a minha roupa?
- e sem falar também isso que eu coloquei acima das línguas: hoje temos muito mais visibilidade para as diversas línguas faladas no mundo. Se a algum tempo atrás o que determinava a língua em que um material seria publicado eram os grandes centros produtores de informação (a maioria concentrado em locais onde a língua inglesa é falada), hoje o que determina a língua da publicação é a língua falada pelo próprio autor, uma vez que a informação é publicada sem intermediários... Imagine o que isto representa para a língua chinesa por exemplo.
- ainda na questão das diferentes línguas faladas, temos o fato de que nenhuma língua é estática, a menos que já esteja morta (e mesmo assim ainda tem diferentes ressignificações..). Ou seja, se eu classifiquei meu material com uma palavra usado hoje, quem garante que ela ainda estará em uso daqui a alguns anos?
eu ainda acrescentaria outro aspecto nesta lista de Lévy, que estamos passando agora aqui nos países de língua portuguesa: vamos passar por uma reforma ortográfica que vai mudar a grafia de várias palavras e, mais do que isso, vamos conviver durante alguns anos com diferentes formas de grafias e, depois destes anos, é provável que isso tudo resulte em uma terceira forma de escrita que não temos a menor idéia de qual será!
Depois disso tudo, fica até difícil de entender como as pessoas se entendem... Mas se entendem justamente pelo aspecto humano das relações, e talvez aí resida a provável solução para o problema da web semântica: as redes sociais estão sendo cada vez mais apropriadas por diferentes pessoas, em diferentes contextos sociais, tornando as comunidades virtuais cada vez mais povoadas por diferentes vozes, que as vão construindo e reconstruindo a cada dia que passa.
Mas essa é a minha maneira de ver o assunto...
Nem todo mundo analisou desta forma. Um exemplo foi o próprio
Muniz Sodré, que não concordou com uma série de aspectos abordados na palestra de Pierre Lévy, como a questão do tempo-espaço e as relações econômicas. Ele fez comentários, inclusive, que me deixaram bastante inquieta. Tão inquieta que pretendo fazer outra postagem dedicada a comentar tais comentários (desculpe pela redundância)
Vale a pena ver também como os jornais locais registraram o evento:
A Tarde: Pierre Lévy vê evolução da web com otimismoTribuna da Bahia: Conversa sobre CiberculturaA Tarde (entrevista): "Estamos na pré-história da civilização digital"Sule, que tava comigo,
tb comentou lá no blog dela!
* a foto de Pierre Lévy foi retirada do site do evento, acesso em 22/10.
** este foi o ingresso que eu usei. Foto minha.