No início da leitura eu faria apenas ressalvas... Mas, assim como lia, fui vendo que, mais do que "deslizes", tratavam-se de sérios erros conceituais. Fico feliz cada vez que este assunto ganha visibilidade e entra no debate (até para podermos comentar e reconstruir), mas gostaria que todos lessem o texto com atenção.
Seguem então as ressalvas...
- os autores fazem menção aos softwares livres como sendo os quais é possível usar "sem pagar nada". Mas a questão não é exatamente essa... a questão gira sim, em torno da abertura do código, o que permite a rápida difusão dos produtos, a possibilidade de atualizações por qualquer pessoa interessada, de qualquer lugar, contribuindo para uma rede distribuída de desenvolvimento, construíndo desenvolvimento onde antes restava apenas consumir produtos fechados de grandes empresas...
- outro ponto crítico é quando os autores comparam um conhecido sistema operacional proprietário de código fechado com Linux, ingenuamente usado como sinônimo de "software livre". Os autores colocam que tal sistema proprietário apresenta uma "interface amigável", enquanto que "já o Linux, à primeira vista, parece coisa de outro planeta. O usuário comum, acostumado com a interface do Windows e sem conhecimentos aprofundados de informática, demora a habituar-se ao Linux". Não sei exatamente em que os autores se fundamentaram, mas o que temos notado é que, para o usuário que não tem familiaridade com nenhum sistema operacional, a familiarização com os sistemas livres é mais rápida do que com os proprietários... por que? pelo simples fato de que são inúmeras pessoas trabalhando nos softwares livres não só para deixá-los mais bonitinhos, mas para deixá-los mais acessíveis (como um cego consegue usar o windows?), mais leves e utilitários.
- no nosso grupo de pesquisa estamos com uma discussão sobre o termo "usuário", que vem de uma lógica proprietária de que, quem manuseia um computador está simplesmente "usando" um software pronto e acabado, fechado. Porém, com os softwares livres e também com todo esse modo de criação/produção, meio que viral, que tem se difundido (proliferado?) em redes pela web, notamos que estas pessoas, muito mais do que "usar", compartilham, produzem, enviam, transformam, criam os produtos e a própria rede. Alguns autores, como Alex Primo em seu livro Interação Mediada por Computador (Sulina, 2007), propoem outras nomenclaturas, como o interator. Assim, se é ingênuo chamar este sujeito de "usuário", pior ainda é fazer como os autores, que nivelam mais por baixo ainda: "Pensando justamente nesse tipo de consumidor, foi desenvolvido o Ubuntu - Linux for human beings" (grifo meu). Consumidor??? O mais interessante é que logo na sequência aparece uma fala de Nelson, justamente criticando tal ideia: "processo educacional tem que formar um cidadão para que ele seja autor, produtor de conhecimento e de culturas e não só um consumidor de informações" (Pretto, da entrevista)
- em certa hora, já convencida de que os autores da matéria não utilizam qualquer software livre, comecei a me perguntar se estes alunos sequer ouviram o entrevistado ou pensaram no que ele falou... Por exemplo, na sequência, pretendendo mostrar um pouco da expressividade dos softwares livres, os autores apresentam alguns dados de que grandes empresas utilizam estes softwares (será que o objetivo é só andar a contento de grandes empresas?) e que "Salvador, embora ainda não possua filiais de grandes empresas de produção de SL, é referência no desenvolvimento" de software livre (grifo meu). Pois veja bem, se a grande sacada dos códigos abertos é possibilitar um sistema distribuído de produção e não deixar toda a população a mercê de grandes empresas, faz sentido usar este parâmetro para dizer que Salvador também se destaca neste meio? Sim, Salvador se destaca, dentro de um sistema nacional e mundial de produção em rede, com desenvolvedores que tem se empenhado na busca de soluções colaborativas, mas será que isto deve estar atrelado a alguma "filial" de uma "grande empresa"? Repare que, colocando desta forma, parece que desevolvido é quem tem uma "filial" sucumbida aos interesses de multinacionais. Os autores nem pensam na possibilidade de criação de empresas locais, ou, porque não pensar em um meio de produção economicamente mais justo, como as cooperativas (vale a pena ver o exemplo da COLIVRE). Sim, tudo bem, mais afrente, no referido texto, aparecem outras opções, inclusive citam a própria Colivre, mas que "apostam no uso do SL, seja buscando benefícios financeiros ou por ideologia" (grifo meu). Será que, esta "aposta" é, ou por puro benefício financeiro, ou, contrário aos benefícios que um sistema economicamente viável pode proporcionar, por pura "ideologia"? Ou será que nossas ideologias permeiam todas as nossas decisões, inclusive onde vamos empenhar nossos esforços?
- é, inclusive, impressionante como se apropriam das palavras de uma integrante da cooperativa, chegando a seguinte conclusão:"O caso parece simples: as tecnologias desenvolvidas próximas à comunidade possibilitam o retorno mais rápido do capital investido para a própria comunidade." Não acredito que todos os princípios da Economia Solidária tenham sido resumidos a comprar e vender na porta de casa... Talvez seja interessante conhecer a proposta de economia solidária desenvolvida dentro da própria Universidade de tais alunos, a Ufba, como no PSL-BA (que não é um partido, aos que distorcem o que é falado...) ou o BanSol.
- uma ressalva: TWiki não é sistema de comunicação! Quem quiser saber mais sobre o assunto, pode consultar a tantas fontes disponíveis, dentre elas um artiguinho que publicamos recentemente... (TWiki e autoria colaborativa na web2.0: O GEC, seus sujeitos, produtos e processos) [em breve trarei o artigo completo aqui]
- mas o mais inquietante ainda estava por vir: "Em Salvador, o movimento Software Livre cresce quase que escondido, em meio ao frenesi pelos pseudo-super-novos Softwares Proprietários que economizam seu tempo, ou seja, pela sempre nova (e cara!) solução dos seus problemas. A grande sacada é sempre a da multinacional, que pensa de maneira organizada e inteligente na inserção dos seus produtos no mercado." (grifos meus)
Quase que escondido??? Talvez seja interessante que os autores, na semana que está chegando, deem uma passadinha no Free Software Bahia e no III Encontro Nordestino de Software Livre & IV Festival Software Livre da Bahia, que já conta com mais de mil inscritos... ou, para não acharem que é bairrismo, poderiam dar uma passadinha no Fórum Internacional de Softwate Livre (fisl10), que será realizado entre os dias 24 e 27 de junho, no Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre (RS), e que já conta com 4 mil inscritos (ver matéria na revista A Rede).
A grande sacada é sempre da multinacional? Será que uma única empresa, mesmo que grande, pode ter sacadas mais inteligentes do que uma rede mundial de desenvolvimento? Será que a forma mais organizada e inteligente de pensar é realmente da multinacional?
Bom, assim como falei no início, fico feliz por ver que o tema reverbera escritas... mas é lamentável que isto ocorra com tantos equívocos. Depois de ler este texto, recomendo sua leitura sim, mas é para que possamos utilizá-lo para discutir o que pulula nas ideias de alguns sujeitos.
E a grande questão das licenças, abordada no título, onde foi parar? e a produção coletiva, em rede e distribuída, cujas ações contrárias são criticadas logo no início do texto?
pois bem, com licenças mais flexíveis eu posso comentar (e produzir, e criar, e reconstruir, e editar...) mais fácil... é necessário pensar em um mundo onde, além de consumir, todos possam participar efetivamente em sua construção (isto era a cidadania que Nelson falava, não é?)
veja o texto original:
Com Licença, sim?
A disputa entre aqueles que defendem o uso dos softwares livres e dos que utilizam o softwares proprietários não envolve apenas questões tecnológicas. A escolha do usuário tem efeitos na política, na economia e no desenvolvimento sustentável de um país como o Brasil
veja a "entrevista" completa