Ano passado tive a grata oportunidade de ouvir Pierre Lévy em
uma palestra, em que ele retomava alguns de
seus conceitos clássicos, além de apontar as principais características da atual web, bem como os próximos desafios em seu desenvolvimento. Quando a web começou a ser representativa, ela se destacava por ser uma imensa enciclopédia, como o próprio Lévy (1999) já destacou. Alguns sujeitos planejavam e publicavam conteúdo, que era disponibilizado por meio de grandes sevidores... o que modificava um pouco os centros produtores e o tempo de produção de conteúdo/informação, afinal, publicar na web era um pouco mais rápido do que publicar um livro, por exemplo.
Mas, com o passar do tempo, com algumas demandas apresentadas pela sociedade e o desenvolvimento de algumas soluções tecnológicas (nem estas mais produzidas apenas em centros de tecnologia), a produção de conteúdo mudou ainda mais. Hoje qualquer sujeito com acesso a internet publica nela o que quiser. Lembro que no primeiro livro que li e Lévy, ele colocava um exemplo de um amigo que procurava outra pessoa e, através de um extenso caminho percorrido em diversos sites, tiveram algumas pistas que os levaram a encontrar tal pessoa. Que diferença... hoje a maioria dos meus amigos, amigos dos meus amigos, conhecidos distantes, todos estão a distância de dois ou três cliques! E não são apenas algumas pequenas pistas: são suas vidas inteiras e comentadas (que o digam meus colegas de academia com seus
lattes, o "orkut acadêmico"), suas redes de amizades e comunidades as mais diversas, seus blogs, twitters, blogs dos amigos que remetem para eles através de feeds... enfim se a algum tempo eu poderia ter algumas pistas de uma ou outra pessoa, hoje uma legião enorme de pessoas constrói seus próprios passos na/com a web.
Isto transformou, inclusive os modelos de negócios, pois, mais do que nunca, é muito vantajoso saber os hábitos dos meus potenciais clientes (inlusive identificá-los neste "mar de gente"). Por exemplo, o google (
AdWords) promete deixar o produto de qualquer empresa a dois ou três cliques de todos os seus clientes em potencial, que, por sua vez, vão recheando um imenso banco de dados.
A produção cultural também tem alterações significativas, principalmente por, além de consumirmos informações, também podermos produzir tantas outras com a cara da nossa cultura local, com visibilidade global, não apenas em texto, mas em qualquer linguagem a qualquer momento (principalmente com os editores online - a web como plataforma - que agilizam imensamente as trocas de informações e sua publicação, bem como potencializam as produções colaborativas entre sujeitos nos mais diversos cantos do mundo).
Com tanta informação era previsível que alguns problemas viriam à tona, como, por exemplo, a recuperação delas: como encontrar uma informação no meio de tantas? A classificação dos conteúdos por palavras chave/tags contribui para a indexação, mas ainda não dá conta da problemática. Pelo princípio da
folksonomia, cada sujeito pode classificar os conteúdos que publica, agregando seu banco de dados a inúmeros outros criados por outras pessoas. Mas como fazer estes bancos de dados se comunicarem?
Nisto surge a
web semântica, apontada por Lévy (naquela palestra) como o grande desafio para a web atual, chamada por alguns de
web 2.0. Se cada pessoa tem a possibilidade de classificar seu conteúdo, ela vai fazê-lo guiada por seu quadro semântico-cultural (como ela entende o conteúdo e como se expressa para designar-lhe palavras-chave ou tags) e é daí que surgem os problemas: como criar um sistema que reconheça como semelhantes palavras nas mais diversas línguas, em plural/singular, expressões, sinônimos, palavras iguais com significados diferentes, neologismos, eventuais palavras escritas de forma incorreta, que consiga ser atualizado tão rápido quanto são criadas as tags e suas relações... A solução seria criar uma web que "entendesse" seu próprio conteúdo, sendo que ela própria o classificaria. É deste desafio que se ocupa a web semântica. Um exemplo disso é o grupo do próprio Lévy,
IEML (Information economy meta language).
Nesta semana, eu e
uma amiga, discutindo sobre este tema, encontramos um texto muito elucidativo de Sérgio Amadeu da Silveira(
O que é web semântica?), do qual tiramos algumas conclusões (3):
1. a web não faz parte de nossas vidas apenas para acessar, mas nos comunicamos e criamos conteúdo, o que deve ser facilmente recuperado por quem criou ou qualquer outra pessoa
2. isso chama a atenção para os sistemas de indexação, pois os bancos de dados tradicionais não dão conta da complexidade e diversidade desta nova rede que emerge de tanta produção e criatividade individual e de novos coletivos (existe um novo conceito: os metadados, a web precisa "entender" a si mesma)
3. o tem tem demandado maiores esforços é na solução tecnológica que da conta da nova (e sempre em renovação) semântica da web: como fazer com que máquinas entendam o que as pessoas (com todas as singularidades da linguagem pelo mundo) escrevem, falam, desenham, filmam..., de forma que seja facilmente recuperável por quem criou ou qualquer outroDisto tudo ficamos com algumas dúvidas,
como isso muda o processo de produção, disponibilização e busca de conteúdos? Isto altera a estrutura da rede? Altera a educação? Eu penso que sim, mas precisamos aprofundar mais. Por isso nosso próximo passo vai ser no sentido de entender um pouco mais as alterações provocadas pela web na própria web (ou pelas pessoas e seus processos através da web), bem como traçar paralelos com nossos processos investigatórios.
Para quem quiser saber mais sobre web semântica, seguem alguns testículos:
SILVEIRA, Sérgio Amadeu da.
O que é web semântica?. Revista ARede,
Edição nº14 - maio/2006
W3C. Consórcio para o desenvolvimento da World Wide Web. Qual o sentido da web? Revista ComCiência.
Tim Berners-Lee.
Semantic Web Road mapA web inteligente - Blog da Tati
A web semântica é uma extensão da web tradicionalEntrevista com Pierre Levy e Rogério da CostaPierre Lévy: Nós em nós todosEntrevista com Lévy p EstadãoRelato de uma experiênciaComentários sobre a entrevista com Ted Nelson no Roda Viva; ou, um visionário em busca de um software.Cartografia da Web: um sistema de coordenadas proposto por Pierre Lévy